Eu devia ter uns 8 anos. Como já fazíamos há uns tempos, as férias eram em Espanha, Ilha Canela.
Havia sempre família e amigos por perto. Éramos sempre uma carrada deles. Uma animação, portanto.
A meio das férias, era hábito irmos a Sevilha. O material escolar era quase sempre comprado no El Corte Inglês e eu adorava ter sempre coisas diferentes do resto da malta (a mania que sou boa começou cedo).
Ora levante lá o braço quem é que nunca foi assaltado em Sevilha, nos loucos anos 80. Só quem não pôs lá os pés, de certeza.
Foi isso mesmo que aconteceu. Com a inexistência de cartões Multibanco, o meu pai foi ao banco levantar dinheiro. Provavelmente fomos seguidos. Regressámos ao carro, para por compras ou fazer outra coisa qualquer. Com o porta bagagens aberto, o meu pai pousou a sua bolsa à tiracolo.
O que se passou a seguir parecia uma cena saída de um filme e lembro-me como se fossem flashes.
Um tipo passou a correr e agarrou na bolsa. O meu pai disparou atrás dele. Como miúda que era achei que ele o ia agarrar. Mas apareceu um tipo de mota na esquina, quando o meu pai estava quase a apanhá-lo e desapareceram os dois. Com a bolsa. Onde estavam os nossos bilhetes de identidade, passaportes e dinheiro para o resto das férias.
Durante as horas a seguir andámos pelo consulado e pela polícia a tentar remediar a coisa. Mesmo não tendo consciência das implicações todas do que tinha acontecido, lembro-me que me fartei de chorar. Tínhamos sido roubados e eu sabia que não éramos propriamente ricos.
Naquela altura, estando os meus pais mais ou menos abonados, todos os anos, eu e o meu irmão recebíamos um presente nas férias. A condição era ter passado de ano. Eu já tinha escolhido o meu presente. Havia começado a febre dos bebes chorões e eu queria um!
Essas compras ficavam sempre para o final das férias, por isso, quando fomos assaltados, eu ainda não tinha o meu chorão. E percebi logo que iria ser complicado.
O meu tio Fánã (qual é o tuga que não tem um Fánã na família?) que estava de férias connosco prontificou-se a emprestar dinheiro ao irmão (meu pai) até ao final das férias. Mas emprestado não é dado e o certo é que tínhamos levado um rombo ‘daqueles’ no orçamento.
Os meus pais explicaram-me, e eu entendi, que o meu presente iria ficar em suspenso até ao fim das férias. Apesar de me estar prometido, tinham de ter em conta outras despesas mais prioritárias, e só no fim saberiam se o dinheiro chegava!
Vivi o resto das férias na ansiedade de saber se ia ter o meu boneco ou não. Para agravar a coisa, a minha prima Luisinha, três anos mais velha que eu e um poço de altruísmo e bondade, já tinha o seu bebé chorão, novinho em folha. E fazia questão de me mostrá-lo a toda a hora, sempre com um recado transmitido à laia de ameaça, na sua vozinha de cana rachada irritante: “Não toques! Podes estragar!!”. Uma querida, portanto.
Finalmente, chegaram os últimos dias de férias. O meu pai transmitiu-me, de sorriso rasgado, que íamos comprar o meu boneco. Boa! Fiquei radiante.
Fomos os quatro para Ayamonte, em busca do boneco. Mas a febre foi tal, naquele ano, que não sobrou nenhum! Corremos as lojas todas e nada! O meu pai decidiu então fazer 70 quilómetros, até Huelva, para ver se encontrávamos o bendito chorão. Perante a convicção deles, fiz por aguentar o choro. Afinal, ninguém tinha culpa. A minha mãe já dizia que se não houvesse ali, comprávamos em Lisboa, que desse por onde desse, eu haveria de ter o boneco.
Ao chegar a Huelva, fomos percorrendo as ruas de carro, olhando para as montras das lojas. O silêncio era aflitivo. Até que a minha mãe disse “Está ali um!”. Saiu do carro e demorou o que pareceu uma eternidade. Já não me recordo se o meu pai também lá foi. O boneco da montra estava reservado e a dona da loja estava renitente em vendê-lo à minha mãe. A única forma de o trazerem foi comprarem a alcofa também.
Resumindo e concluindo, além do boneco, ganhei também a alcofa de palha. E os meu pais, aos meus olhos, ficaram um bocadinho mais heróis. Esta é apenas uma das histórias da minha infância feliz. Tenho muitas outras. Tantas ou mais, como as que espero a Raquel venha a ter.
Ah… é óbvio que esfreguei o boneco (e a respectiva alcofa) no nariz da minha adorada prima Luisinha. Não sem antes lhe ter dito “Não toques. Podes estragar!!”
Havia sempre família e amigos por perto. Éramos sempre uma carrada deles. Uma animação, portanto.
A meio das férias, era hábito irmos a Sevilha. O material escolar era quase sempre comprado no El Corte Inglês e eu adorava ter sempre coisas diferentes do resto da malta (a mania que sou boa começou cedo).
Ora levante lá o braço quem é que nunca foi assaltado em Sevilha, nos loucos anos 80. Só quem não pôs lá os pés, de certeza.
Foi isso mesmo que aconteceu. Com a inexistência de cartões Multibanco, o meu pai foi ao banco levantar dinheiro. Provavelmente fomos seguidos. Regressámos ao carro, para por compras ou fazer outra coisa qualquer. Com o porta bagagens aberto, o meu pai pousou a sua bolsa à tiracolo.
O que se passou a seguir parecia uma cena saída de um filme e lembro-me como se fossem flashes.
Um tipo passou a correr e agarrou na bolsa. O meu pai disparou atrás dele. Como miúda que era achei que ele o ia agarrar. Mas apareceu um tipo de mota na esquina, quando o meu pai estava quase a apanhá-lo e desapareceram os dois. Com a bolsa. Onde estavam os nossos bilhetes de identidade, passaportes e dinheiro para o resto das férias.
Durante as horas a seguir andámos pelo consulado e pela polícia a tentar remediar a coisa. Mesmo não tendo consciência das implicações todas do que tinha acontecido, lembro-me que me fartei de chorar. Tínhamos sido roubados e eu sabia que não éramos propriamente ricos.
Naquela altura, estando os meus pais mais ou menos abonados, todos os anos, eu e o meu irmão recebíamos um presente nas férias. A condição era ter passado de ano. Eu já tinha escolhido o meu presente. Havia começado a febre dos bebes chorões e eu queria um!
Essas compras ficavam sempre para o final das férias, por isso, quando fomos assaltados, eu ainda não tinha o meu chorão. E percebi logo que iria ser complicado.
O meu tio Fánã (qual é o tuga que não tem um Fánã na família?) que estava de férias connosco prontificou-se a emprestar dinheiro ao irmão (meu pai) até ao final das férias. Mas emprestado não é dado e o certo é que tínhamos levado um rombo ‘daqueles’ no orçamento.
Os meus pais explicaram-me, e eu entendi, que o meu presente iria ficar em suspenso até ao fim das férias. Apesar de me estar prometido, tinham de ter em conta outras despesas mais prioritárias, e só no fim saberiam se o dinheiro chegava!
Vivi o resto das férias na ansiedade de saber se ia ter o meu boneco ou não. Para agravar a coisa, a minha prima Luisinha, três anos mais velha que eu e um poço de altruísmo e bondade, já tinha o seu bebé chorão, novinho em folha. E fazia questão de me mostrá-lo a toda a hora, sempre com um recado transmitido à laia de ameaça, na sua vozinha de cana rachada irritante: “Não toques! Podes estragar!!”. Uma querida, portanto.
Finalmente, chegaram os últimos dias de férias. O meu pai transmitiu-me, de sorriso rasgado, que íamos comprar o meu boneco. Boa! Fiquei radiante.
Fomos os quatro para Ayamonte, em busca do boneco. Mas a febre foi tal, naquele ano, que não sobrou nenhum! Corremos as lojas todas e nada! O meu pai decidiu então fazer 70 quilómetros, até Huelva, para ver se encontrávamos o bendito chorão. Perante a convicção deles, fiz por aguentar o choro. Afinal, ninguém tinha culpa. A minha mãe já dizia que se não houvesse ali, comprávamos em Lisboa, que desse por onde desse, eu haveria de ter o boneco.
Ao chegar a Huelva, fomos percorrendo as ruas de carro, olhando para as montras das lojas. O silêncio era aflitivo. Até que a minha mãe disse “Está ali um!”. Saiu do carro e demorou o que pareceu uma eternidade. Já não me recordo se o meu pai também lá foi. O boneco da montra estava reservado e a dona da loja estava renitente em vendê-lo à minha mãe. A única forma de o trazerem foi comprarem a alcofa também.
Resumindo e concluindo, além do boneco, ganhei também a alcofa de palha. E os meu pais, aos meus olhos, ficaram um bocadinho mais heróis. Esta é apenas uma das histórias da minha infância feliz. Tenho muitas outras. Tantas ou mais, como as que espero a Raquel venha a ter.
Ah… é óbvio que esfreguei o boneco (e a respectiva alcofa) no nariz da minha adorada prima Luisinha. Não sem antes lhe ter dito “Não toques. Podes estragar!!”
3 comentários:
Lembro-me bem desse corte inglês - o primeiro que conheci - e dos furtos por esticão em Sevilha.
Graças a Deus não me lembro de ter querido nenhum chorão...
Olh´ó Casco!
Então essas férias, pá?
De volta ao batente? Toca a todos!
Olha lá... as letrinhas?! Eu a pensar que eras acérrimo fiel das letrinhas e chego aqui e NADA!
Já não se pode confiar em ninguém... tss, tss!;)
Beijo
Bendita infancia :)
Pelo menos mais tarde descobriste uma forma mais facil de ter um bebe chorao!
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