Novela (que podia ser mexicana) com um número infindável de episódios e protagonistas a mais, vendida em pacotes económicos aos países do leste europeu. Enredo muito intrincado, malfeitores qb, doses exageradas de sacanices, facadas nas costas e muitas figurantes com língua de porteira. A única coisa que vale a pena no meio desta salganhada toda?! A protagonista, que interpreta este argumento sem mudar uma vírgula... ou não fosse isto a sua vida.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

As sabrinas prateadas

Foi a Raquel que reparou nelas. As gémeas que alegremente pulavam na pista de dança do hotel, ao som do fantástico Tony, tinham sabrinas prateadas nos pés. Quando me chamou a atenção para elas, perguntei-lhe "Gostas, não é?". Respondeu-me "Sim. Lembras-te quem tinha umas assim?". Calei-me. "A Nônô, não te lembras?".

Sim, lembro-me. Mas não disse nada. Tento não pensar muito nisso. Mas de quando em vez, quando a minha pequena se lembra, ou quando algo me faz lembrar deles, dói.

Já senti falta de lugares, de momentos, de cheiros... de tanta coisa! Nunca tinha sentido saudades de crianças. De um sorriso, de uma gargalhada, de um brilho no olhar.

Ele abraçava-me com muita força, pela cintura. Quando eu me baixava para o beijar, dizia-me ao ouvido, como se fosse um segredo só nosso "Adoro-te!". Fazia beicinho quando nos despedíamos, escrevia-me cartas de amor, gemia quando não gostava da comida, pegava em bichos como quem colhe uma flor e para ele todos eram "tão fofinhos" (de um louva-a-deus a uma aranha, passando por todos os cães abandonados do Mundo, mais os ouriços caixeiros, as rãs e as salamandras).

Ela, mais arisca, fazia-se de difícil, para no fim se pendurar no meu pescoço e dizer com um ar de desafio "Já sabes que não te vou largar!". Cantava o hino da escola, mais a música do Zé e a do coelho Alberto a toda a hora. Muito menina, delirava com a minha caixinha de peças para bijuterias. Vaidosa q.b., uma senhora em ponto pequenino, uma autêntica princesa. Uma princesa com o apetite de um camionista, mas uma princesa. Nunca tinha visto nenhuma criança a devorar lasanha com tamanha satisfação. Nem a olhar tão ameaçadoramente para o meu prato, depois de ter acabado o dela!

Li-lhes histórias na cama, limpei-lhes os rabos e os narizes, mais o vomitado e o xixi na cama. Brinquei com eles, ralhei-lhes quando se esticavam (raramente) e mimei-os muito. Derreti-me toda quando se engaram e, em vez do meu nome, me chamaram "mamã".
Há dias a Raquel reclamou por nunca mais os ter visto. Disse-me que eles não deviam ter deixado de se ver por nossa causa. Não soube o que lhe responder. Ela tem razão, mas eu não sei o que fazer.
Não os posso ver. Não que não queira, mas porque não consigo. Imagino-os bem. Penso que se algo estivesse mal, alguma intervenção divina iria arranjar forma de eu saber. É uma justificação estúpida, eu sei. Mas tenho de pensar que é assim.
Não posso pegar no telefone e ligar-lhes, simplesmente. Porque me dói. É uma saudade que me dói. Não a toda a hora. Apenas quando vejo uma árvore e não distingo imediatamente se é uma oliveira ou um sobreiro. Quando vejo meloas. Quando oiço "Circo de Feras", que ele dizia convictamente "círculo". Quando vejo cães abandonados, quando vou ao IKEA, quando como lasanha, quando vejo uma rola, quando sonho com eles...
Não é a toda a hora. É só como naquela noite... quando a Raquel viu as sabrinas prateadas.

3 comentários:

Maria Feliz disse...

Mad,

WHAT?! Tu NUNCA ficas sem palavras!!! (ou ficas?...)

Don't worry, isto passa;-)
Beijos

Mad disse...

Às vezes fico :)

Maria Feliz disse...

...

;)