Novela (que podia ser mexicana) com um número infindável de episódios e protagonistas a mais, vendida em pacotes económicos aos países do leste europeu. Enredo muito intrincado, malfeitores qb, doses exageradas de sacanices, facadas nas costas e muitas figurantes com língua de porteira. A única coisa que vale a pena no meio desta salganhada toda?! A protagonista, que interpreta este argumento sem mudar uma vírgula... ou não fosse isto a sua vida.

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Um amor

Corria o ano de 1972. Parece que ela quase o atropelou, na zona da Baixa.
Conheceram-se por acidente, portanto. A minha mãe e o meu pai... Ele tinha 34 anos, ela 25.
Casaram passados 4 meses. Ele chamava-lhe “Ti’Ana” e quando lhe apetecia gritava para toda a gente ouvir “Eu sou o Nato”.
Não tivesse ele morrido, ainda hoje andavam às turras. Ele não fazia nada sem ela. Nem pregar um prego. Ela até podia nem fazer nada, mas tinha de estar ali... ao lado dele.
Estiveram juntos quase 30 anos.
Havia coisas que ninguém entendia, como ela levar-lhe o pequeno-almoço à cama todo o santo dia. E em dia em que isso não era feito, ele saía de casa amuado e, à noite quando chegava, dizia que o dia lhe tinha corrido mal.
Quando chegávamos a casa da escola, a minha mãe ligava-lhe e perguntava o que queria que ela fizesse para o jantar... e se não havia o que ele queria, lá ia ela comprar.
Em Abril de 74, ela chegou a fazer pão em casa. Se havia coisa que não podia faltar na mesa, era o pão. Ele podia até nem o comer, mas o pão tinha de lá estar.
Um dia, faziam eles 15 anos de casados, ele chegou a casa com um ramo de flores, 15 jarros (aquela flor que parece um copo). A minha mãe começou a desmanchar o ramo para por em água e estranhou que cada um dos pés estivesse enrolado em prata. Foi tirando as pratas e pondo no lixo. A dada altura o meu pai entrou na cozinha e perguntou-lhe se ela tinha visto o que estava nas pratas... óbvio que não. Lá andei eu a catar o lixo e aparvalhadas descobrimos uma nota de 5.000$00 enrolada em cada pé. Mais tarde ele contou que a florista a quem pediu para fazer esse trabalhinho, não se calava... que nunca lhe tinha aparecido ninguém com tal ideia.
Ele era assim, cheio de surpresas.
Por outro lado, adorava comprar brigas, adorava um bom escândalo e ninguém chamava a atenção como ele. Não raras vezes, cantava o fado no meio da rua... eu, o meu irmão e a minha mãe, afastávamo-nos cabisbaixos, como se não o conhecêssemos.
Quando ele começava “Olha, olha!!!” e apontava numa direcção... já os três sabíamos que alguém ia ser enganado (às vezes até um de nós... por muito bem que soubéssemos o truque, lá nos distraíamos e caímos na esparrela). Assim que alguém virasse a cabeça na direcção em que ele apontava, com o seu ar gingão ele começava a apregoar:

Lá vem o homem do nabo,
Com os seus trezenta’mil diabos
E o seu burrinho que é coxo.
E a sopeira que é brejeira,
E gosta da brincadeira
Pergunta se o nabo é roxo.
É roxo e bem taludo,
Lá para a sua patroa,
Se ela é uma senhora boa
Vai cabeça rama e tudo!


Invariavelmente, alguém caía... fosse um de nós, ou algum amigo incauto ainda não familiarizado com a brincadeira. Mas até os da casa caíam... E ele adorava. “Está calado” dizia-lhe a minha mãe muitas vezes, mas no fundo, no fundo, acho que ela não se chateava muito.
Faz hoje 35 anos que eles se conheceram. Mais anos que aqueles que eu tenho.

E ela segurou-lhe a mão até ao fim, fazendo-lhe festas enquanto dizia “Pronto, pronto...”. E ele com o seu mau feitio (que se sobrepôs à morfina) respondia-lhe “Mas pronto, o quê? Não tens mais nada para dizer?”...
A quem acham que eu fui buscar este génio?

Ontem dei-me ao trabalho de contar quantos amigos tenho divorciados... os dedos das duas mãos não chegaram! Quem casou na década de 70 aguentou-se, quem nasceu na década de 70, descasou-se!!!
Já não há casamentos assim, e as excepções só confirmam a regra. É suposto que os filhos superem os pais, mas neste campo tenho a certeza que nunca os irei superar.

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