Lembro-me de tudo. O telefone a tocar às 6h da manhã. Dele a disfarçar a voz, para eu não entender quem era. Do ar pesado, constrangido até, com que me disse "O teu pai morreu."
Lembro-me do meu desabafo "Graças a Deus". Só quem vê uma pessoa que ama a sofrer com cancro, compreende a sinceridade do que eu disse.
Lembro-me de telefonar a algumas pessoas. Lembro-me de todos os que apareceram. Dos que me abraçaram. Lembro-me em que ombros chorei.
Lembro-me do espanto nas pessoas que não sabiam que eu estava grávida. Dos conselhos não pedidos, mas dados exaustivamente "tu não devias estar aqui".
E o cheiro. Das flores. E da chuva. Chovia imenso. Lembro-me de entrar no carro funerário, com a minha mãe e o meu irmão, e o senhor da agência perguntar "estão bem instalados"? Lembro-me daquilo andar a 10km/hora e de ter uma vontade enorme de gritar ao motorista "acelera-me essa merda!". Parece que tínhamos de esperar por toda a gente.
E o senhor da agência? Nem de encomenda. De blusão de cabedal sebento, dentes podres e uma tendência enorme para o disparate. Trocou o nome do meu pai, no mínimo, duas vezes. Disse-nos no final para não nos preocuparmos com o pagamento, que tínhamos muito tempo. Para no dia seguinte de manhã me aparecer à porta de casa, a exigir o cheque.
Lembro-me de tudo. Com a experiência, sei que o tempo não cura nada. Apenas nos permite reaprender a viver.
Passaram sete anos. E eu, apesar de me lembrar de tudo, reaprendi a viver.
4 comentários:
1 beijo (não sei se o outro foi).
Daqui de onde leio isto só te posso mandar um beijo grande, grande, cheio de ternura.
Um bom fim de semana.
Mesmo.
Obrigada lindos:-)
Prémio no Ervilhas :)
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