Novela (que podia ser mexicana) com um número infindável de episódios e protagonistas a mais, vendida em pacotes económicos aos países do leste europeu. Enredo muito intrincado, malfeitores qb, doses exageradas de sacanices, facadas nas costas e muitas figurantes com língua de porteira. A única coisa que vale a pena no meio desta salganhada toda?! A protagonista, que interpreta este argumento sem mudar uma vírgula... ou não fosse isto a sua vida.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Ao meu amor incondicional


Escrito em finais de 2004 e publicado (anonimamente) em Setembro de 2005, num livro de puericultura.
(A minha filhota tem hoje 4 anos e meio e eu não me "drogo" há mais de três)


A minha gravidez foi muito desejada. Talvez não tenha sido planeada para a altura em que aconteceu mas, para quem estava a tentar engravidar há mais de um ano, qualquer altura era bem-vinda.
Finalmente estava grávida, mas a minha alegria escondia tristezas que nunca pensei virem ao de cima depois do meu bebe nascer.
É claro que já tinha ouvido falar de depressão pós-parto e até já tinha tido uma pequena depressão dois anos antes (por excesso de trabalho), mas nunca me passou pela cabeça isso acontecer-me. Embora tivesse uma série de factores de risco, achava que o facto de ter um bebé nos braços seria condição impreterível para ficar feliz e contente. Que inocência a minha...
Voltando à gravidez, que foi santa em termos físicos, o facto é que, psicologicamente, a minha gravidez foi um turbilhão de emoções, muitas delas fortes e dolorosas de mais.
O meu pai sofria de uma doença terminal há três anos e, quando eu estava grávida de cinco meses, o seu estado piorou e ele não aguentou mais... A morte do meu pai, no momento em que aconteceu, mais que uma desgraça, foi um bênção, pois o seu sofrimento era enorme e a nossa impotência desesperante. O meu desgosto, ao perder o meu pai, foi engolido. Por entre comentários bem-intencionados como “pensa na bebé” e “não chores, que ela sente”, fui escondendo as lágrimas e abafando os soluços, para bem do meu bebé.
À medida que se aproximava a data do parto, como é comum a todas as grávidas, a ansiedade aumentava. Tenho a certeza de que, tal como eu, muitas mulheres ficcionam um parto que nada tem a ver com a realidade. Eu desejava ter um parto normal, queria ver a minha a nascer, e esse foi mais um golpe. Depois de nove horas de trabalho de parto, suadas, sofridas e, admito, algo descontroladas da minha parte, a minha bebé saiu do sitio e tiveram de me fazer uma cesariana de emergência. Além das três doses de epidural que me deram (sem efeito) levei uma anestesia geral.
No meio das dores e desespero não percebi imediatamente o que se estava a passar, pois havia muita agitação à minha volta. Só quando me deitaram numa maca é que constatei que a minha filha não ia nascer de parto normal. Alguém me disse “vai ser cesariana, mas está tudo bem”. Adormeci a ouvir o que ainda hoje me causa arrepios, “temos que a tirar, temos que a tirar...”
Acordei num lugar escuro, parecia que tinha passado uma eternidade e atormentava-me o facto de que, sem eu saber, algo poderia ter corrido terrivelmente mal. Ansiosa, comecei a perguntar pela minha filha e disseram-me que ela era linda, perfeita e que parecia uma boneca de porcelana. Mas, como é óbvio, isso para mim não bastava, eu queria vê-la, senti-la, tocar-lhe... e até isso acontecer apareceu-me que passou outra eternidade. Quando a vi, finalmente, apaixonei-me perdidamente pela bebé mais linda que já vi, a minha! Era realmente linda, com os olhos rasgados do pai, a boca parecida com a minha, careca e... com as unhas enormes!
Apesar da gravidez turbulenta e do parto complicado, o mais inesperado sofrimento ainda estava para vir.
Eu não dormia, tinha medo que ela desaparecesse, se evaporasse... ou que parasse de respirar sem eu me aperceber. Por isso, passava vinte e quatro horas a olhar para ela, a vigiá-la doentiamente. Na hora das refeições, fazia-me imensa confusão como é que aquelas mães deixavam os bebés sozinhos no quarto e ia comer no fundo do corredor, a muitos metros de distância. Por isso, não ia comer. Não confiava em ninguém estranho para ficar a olhar por ela e só ia jantar quando tinha visitas, mas mesmo assim, ia num pé e vinha noutro. Mas também não tinha muitas visitas porque, além da família, eu não queria ver ninguém...
A amamentação foi outro tormento, a minha pequena era comilona e acabava com os meus mamilos. Tinha de haver sempre alguma coisa para eu morder enquanto ela mamava. Restou-me a glória de ter tentado e ter conseguido amamentar a minha filha durante seis difíceis dias.
Ao sexto dia de vida da minha bebé e já com três visitas às urgências (eu desmaiava, tinha espasmos e não dormia nem deixava ninguém dormir) comecei a tomar ansiolíticos e tive de parar com a amamentação.
O meu estado de alienação era tal que não percebia porque é que davam biberão à minha filha quando eu tinha tanto leite...
Durante quinze dias não preguei olho, não comia, não conseguia tomar banho sozinha e os médicos diziam que eu tinha uma depressão fisiológica, ou seja cansaço extremo. Segundo os médicos, só precisava de dormir. Quando finalmente adormeci, dormi dezasseis horas seguidas. Lembro-me de acordar e ver os rostos radiantes da minha mãe e do meu marido, achando que tudo ia melhorar, pois eu tinha dormido. Mal sabíamos o que nos esperava...
Apesar de dormir, eu tinha a convicção de que não dormia e punha a cabeça em água a toda a gente. Também estava convicta de que alguém me ia tirar a minha filha e que me ia matar. Na minha (perturbada) mente existia uma espécie de cabala contra mim, vinda não sei de onde, nem porquê. Tudo parecia saído de um filme de espionagem, pois o mais terrível é que estava convencidíssima de que o mal não era meu, mas sim dos que estavam à minha volta. Para mim, eu não estava doente, e isso prejudicou muito o meu tratamento. Não conseguia estar com muita gente ao mesmo tempo e desconfiava de todos. Um dia, a passear com a minha filha e a minha mãe, comecei a correr inesperadamente. A minha mãe teve de começar a correr, desesperada, atrás de mim, com medo que eu virasse o carrinho da bebé, tal era a minha velocidade. Eu tinha entrado em pânico, pois achava que uns senhores que estavam na esquina me iam assaltar. Coitados, a única coisa que fizeram foi olhar na minha direcção... mas para mim tudo tinha segundas intenções.
Nunca consegui perceber de onde veio tanto disparate e nem os médicos me conseguiram explicar. O meu marido desesperava e contava os dias para eu melhorar. Não sei como a minha mãe não se foi abaixo, depois de tudo o que tinha passado, tão recentemente, com o meu pai. A família toda fez autênticas romarias por neurologistas, psiquiatras e um batalhão de exames pedidos. Fiz ressonâncias magnéticas e electroencefalogramas, pois havia a hipótese de o trabalho de parto ter danificado algo no meu cérebro. Felizmente não havia nada de errado com o meu cérebro, pelo menos que os exames mostrassem...
Tinha períodos em que chorava noite e dia, outros em que não conseguia verter uma lágrima. Havia também dias em que não me calava, e dias e dias em que não dizia uma só palavra.
Cada vez que olhava para a minha filha os sentimentos eram um misto de amor incondicional e culpa, pois nunca me sentia à altura das suas necessidades. Apesar de todos à minha volta dizerem que eu fazia tudo certinho, como qualquer outra mãe, na minha cabeça, eu não acertava em nada. Uma insegurança desmesurada era constante em tudo o que se relacionava com a minha filha. Para lhe dar banho tinha de estar acompanhada e depois, para a vestir, alguém tinha de me ajudar. Quando a bebé dormia, eu pensava na mamada seguinte, quando ela estava a mamar, pensava que tinha de lhe mudar a fralda... enquanto lhe mudava a fralda perguntava a mim mesma: “Será que ela arrotou?... Já não me lembro...”
Todas as mães que o são pela primeira vez devem passar um pouco por estas dúvidas, mas o problemático no meu caso era que esses pensamentos eram tipo “pescadinha-de-rabo-na-boca”, não paravam. Tudo isto acompanhado por um terror enorme de que algo pudesse correr irremediavelmente mal. Enfim, eu tinha um medo assustador de falhar com a minha filha.
Quando a minha filha tinha dois meses e meio fui internada de urgência no serviço de psiquiatria de um hospital público e por lá fiquei doze longos dias.
Tudo tinha hora certa, as janelas não abriam, as portas tinham seguranças, não havia tesouras, nem outros objectos cortantes e, pior que tudo, não havia bebés.
Ao longo desses doze dias só estive com a minha filha durante quatro horas por dia. Era infinitamente pouco. A minha mãe “enganava” a bebé nas horas de comer, para eu conseguir dar-lhe, pelo menos, um biberão por dia. Às quinze horas o serviço de psiquiatria, em peso, parava para ver chegar a visita mais nova, a minha filha. À falta de outros contactos, passava muito tempo ao telefone com ela. Eu falava e ela palrava imenso.
Por muito que me tenha custado, e só eu sei o que me custou, o tempo que estive internada foi crucial para a minha recuperação e para me convencer de que algo estava mesmo muito errado comigo.
Foi um período estranho da minha vida, que hoje encaro como uma experiência. Sei que não sofro de nenhuma doença mental, não sou esquizofrénica, nem coisa parecida, mas isso não me livrou de conviver com pessoas que o eram.
Após a alta do hospital não fiquei instantaneamente curada e ainda tive umas recaídas, mas foram mais os passos dados em frente que os recuos e tropeções.
Há quase um ano e meio que deixei de tomar medicação. Houve períodos em que tomava medicamentos ao pequeno-almoço, ao almoço, ao lanche, ao jantar e ao deitar. Além dos vinte quilos que engordei durante a gravidez, depois da minha filha nascer engordei mais treze. No período que estive internada comia desalmadamente. Como é compreensível, tudo isso abalava ainda mais a minha fragilizada auto-estima.

Depois da doença, aquilo que mais me abalou foi a incompreensão. A depressão não se vê, e a pós-parto é ainda muito mal vista socialmente. Uma mulher tem um filho: isso é motivo de felicidade e ponto final. Na geração da minha mãe isso nem se punha em questão e, no máximo, podia dizer-se “o parto subiu-lhe à cabeça”. Houve quem dissesse o que o meu mal era falta de trabalho... Não faltou quem me indicasse curandeiros, espíritas e outros que tais! A depressão pós-parto tem cura, mas uma grande dose dessa cura está na própria doente. O facto de ser pós parto complica tudo, pois, além do lado negativo da depressão, há todo um estado emocional que não ajuda nada, muito pelo contrário.
Como é obvio há pessoas que tem mais propensão para a depressão que outras. Mas a depressão pós parto acontece a 20% das mulheres e, se há algumas que terão histórias mais dramáticas que a minha, haverá certamente aquelas em que tudo correu bem, mas mesmo assim a depressão surgiu. Por isso, desiludam-se, pode acontecer a qualquer pessoa.
A minha filha tem hoje dois anos e meio, é uma criança saudável, alegre e feliz. Pergunto-me muitas vezes de que modo é que tudo isto a terá afectado. O meu psiquiatra diz-me que o ser humano é naturalmente masoquista, e “não lhe faltava mais nada que preocupar-se com sentimentos de culpa depois de tudo resolvido”.
Uma enfermeira disse-me: “Ninguém nasce ensinado e até a ser mãe é preciso aprender.”
Continuo a aprender...

5 comentários:

Anónimo disse...

UFa!!

Nuno Bio

Anónimo disse...

Meu Deus!
Como é que algo tão triste pode ser tão lindo?
És uma grande mãe. Nunca deixes que te digam o contrário.
;-)
Élia

Fora de mão disse...

Excelente narrativa. Moral da história: Que estranho e poderoso é este amor que sentimos pelos filhos, não?

PS: O "introito" é enganador... eu à espera de uma confissão de consumo de heoína, ou coca... e vai-se a ver...

Anónimo disse...

Sou marido de uma mulher que teve depressão pós parto , ela sofreu bastante e eu tb , consegui fazer com que o casamneto não ruisse. Foi complicado. No fim está tudo bem tudo passou. temos é de olhar em frente! O que passou só nos torna mais fortes. Parabéns!! Sr quiseres falar: msantos@hotmail.com

Anónimo disse...

rectifico o mail : msantos.1977@hotmail.com